quinta-feira, 31 de julho de 2014

Denúncia realizada contra Manuel Vieira Couto

Este é um dos processos mais interessantes do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Em 6 de Agosto de 1797, chegou as mãos do Familiar do Santo Ofício Antonio de Freitas Caldas denúncias contra proposições heréticas proferidas por Manuel Vieira Couto.

Manuel afirmara que não existiam Santos no céu e nem Demônios no inferno e que era impossível comprovar sua existência. Defendia ainda que a simples fornicação não era pecado, mas que era "como qualquer outra operação natural".

Na introdução deste processo os inquisidores alegam que:


"... bachareis que bebendo em Coimbra o quinhão da libertinagem vem vomitar nos lugares de sua naturalidade." fl. 5.



quarta-feira, 30 de julho de 2014

Processo do Padre João Pereira da Silva

Durante o século XVIII a Ilha da Madeira foi um importante entreposto do comércio Atlântico,transformando-se  em uma escala obrigatória da navegação ultramarina. Por ali, todos os dias, aportavam produtos, pessoas e ideias das mais diversas partes do globo. Não é de se estranhar que foi nesse espaço insular que constituiu-se uma das mais importantes sociedades maçônicas do Império Ultramarino português.

Entretanto, em Abril de 1792 o statos quo da Ilha foi duramente abalado pela ação inquisitorial. Editais do Santo Ofício foram afixados nos prédios públicos incentivando a denúncia de todos aqueles que pertencessem a ordem dos Pedreiros Livres. No total, 133 maçons foram denunciados ao Santo Ofício. Entre eles destacamos o brasileiro João Pereira da Silva, presbítero secular, natural do Rio de Janeiro e morador na Cidade de Funchal, Ilha da Madeira, onde exercia a função de professor Régio de Gramatica Latina.

Iniciado na casa de um comerciante inglês, participou de diversas cerimônias privativas em diversas casas, prestou juramento de segredo na conformidade dos estatutos da Maçonaria aprendendo os sinais do grau de aprendiz. A rápida ascensão da maçonaria na Ilha da Madeira parecia agregar publicamente diversos membros da elite mercantil, agrária, militar e eclesiástica da cidade. O ambiente insular e a distância do Santo Ofício parecia insuflar nos moradores uma certa naturalidade ao lidar com a Ordem dos Pedreiros Livres.

Esta liberdade e fascínio pela Ordem Maçônica alimentava até mesmo enganadores. A nível de ilustração desse ambiente apresentamos a denúncia realizada pelo presbítero referindo-se a um charlatão francês que utilizava-se da Ordem dos Pedreiros Livres para ludibriar pessoas de bem. 

Segundo o próprio clérigo apresentou-se "na Ilha da Madeira João José Dorguinhi, Francês de nação e fazendo-se crer muito instruído nos deveres dos Pedreiros Livres (...)." fl. 11 Curioso, o Padre então "rogou para entrar na sua sociedade, e aos primeiros passos percebeu que era um mero impostor que pretendia somente extorquir dinheiros e presentes a custa dos novos sócios, fingindo ter conhecimentos vastíssimos, e os graus mais eminentes desta sociedade..."fl 12 

Um embuste que ajudava a atrair curiosos era o boato propagado pelo referido francês de que a ordem dos Pedreiros livres remontava sua "origem dos Cavalleiros da Cruzada de São João de Jerusalém, e para isto se apresentava cingido de faixas largas de diferentes cores, e três cruzes sobrepostas branca, encarnada e verde" fl. 13.Devido a estas ações o francês Dorguinhi foi desamparado e banido da ilha.

Quando perguntado especificamente porque ingressou na maçonaria o padre afirmou:

"a curiosidade e ao ver verificado o que se lhe propunha o moveu a entrar na sociedade esperando encontrar nela virtudes morais, caridade, mutuo socorro e nada que fosse de encontro as Leis da Igreja e do Estado" fl. 

Apesar de ter nomeado e entregue um impostor e de todos que participaram de seu embuste o presbítero não apontou nomes dos membros da verdadeira Ordem. Alegou que as reuniões aconteciam em várias casas da ilha e quando perguntado por nomes de seus irmãos afirmou: "que ele não pode conhecer todos: porém que quase todos os cavalheiros, negociantes e homens de letras daquela ilha pertencem a Sociedade. 

Nesse aspecto, a solidariedade maçônica parece ter triunfado. Mesmo nas garras da Inquisição muitos irmãos, há dois séculos atrás, utilizaram-se dos mais diversos subterfúgios para proteger a Ordem da perseguição implacável do Santo Ofício português.  


Fontes Primárias:

IANTT. Inquisição de Lisboa. Processo 8613.

Bibliografia:

MARQUES, A. H. de Oliveira. A História da Maçonaria em Portugal - das origens ao triunfo. Lisboa: Editorial Presença, 1990.





segunda-feira, 28 de julho de 2014

Cavaleiros Templários

 
Os Cavaleiros Templários foram uma das primeiras e mais conhecidas ordens militares da Europa Cristã - sociedades de cavaleiros cuja missão, pelo menos aparentemente, era defender e propagar a sua fé religiosa. A ordem dos Templários teve origem no ano de 1118, cerca de suas décadas depois de as Cruzadas europeias terem conquistado a cidade e massacrado os seus habitantes muçulmanos. Um cavaleiro francês chamado Hugues de Payens e oito dos seus companheiros ofereceram os seus serviços ao Rei cristão Balduíno II e juraram defender a cidade contra todo e qualquer inimigo. Como quartel-general da ordem, Balduíno ofereceu-lhes a Mesquita Al Aqsa, onde o Rei Salomão tinha construído o original Templo de Jerusalém. Por essa razão, os cavaleiros apelidaram-se como Pauperes commilitones Christi Templique Solomonici - expressão latina para "os pobres soldados seguidores de Cristo e do Templo de Salomão" - e ao longo do tempo a ordem passou a ser conhecida como Ordem do Templo ou Templários.
Nos dois séculos que se seguiram, os Templários tornaram-se numa das organizações mais poderosas do mundo medieval. Os seus guerreiros, que usavam sobre as suas armaduras mantos brancos embelezados com uma cruz vermelha, ganharam reputação pela sua destreza na luta, disciplina e tenacidade. Os cavaleiros da ordem juravam obediência total e inquestionável aos seus líderes. De forma geral, lutavam com afinco, tendo em mente que um soldado que fosse considerado cobarde teria que despir o seu manto e toinha que comer no chão, como os cães, durante um ano (a ordem também tinha a política de não pagar resgate por soldados capturados em batalha). Segundo a edição de 1911 da Enciclopédia Católica, cerca de 20 mil soldados Templários deram a vida em batalhas contras as forças muçulmanas ao longo dos anos em que a ordem existiu.
Com o tempo, os Templários também se tornaram numa força política e económica. Vários Papas recompensaram os Templários ordenando que estes ficariam isentos de quaisquer impostos, incluindo a taxa que fazia com que a própria Igreja funcionasse. A ordem foi admitindo vários elementos não-guerreiros por toda a Europa, que iam penhorando os seus tesouros para adquirirem terras e edifícios e para criarem um império financeiro que funcionava como um dos principais sistemas bancários europeus. Chegaram mesmo a controlar o governo de Jerusalém.
Depois de os muçulmanos terem recuperado o controlo de Jerusalém em meados do século XIII, o império dos Templários começou a enfraquecer. O fracasso em manter o poder na Terra Santa e os rumores sobre os seus rituais secretos mancharam a reputação da ordem, anteriormente inabalável. No início do século XIV, o rei francês Filipe IV, que tinha feito um grande empréstimo aos Templários, decidiu destruir a ordem para não ter que pagar o que tinha pedido. Filipe conseguiu persuadir o Papa Clemente V, um homem francês que a Enciclopédia Católica descreve como sendo uma pessoa de "personalidade fraca e facilmente influenciável", a perseguir os templários, acusando-os de heresia e sacrilégio, como por exemplo, dizendo que cuspiam para o crucifixo. Em 1307, o rei francês deu ordens secretas para que todos os elementos da ordem do seu país fossem presos no mesmo dia, e muitos deles foram torturados e mortos. O Papa Clemente dissolveu oficialmente a ordem dos Templários no ano de 1312. No ano seguinte, o grão-mestre dos Templários, James de Molay, renegou as suas convicções quando estava prestes a morrer na forca em frente a Notre Dame, em Paris. O rei Filipe ordenou a sua deportação para a Ilha de la Cite, onde acabou por morrer na fogueira. Alguns elementos dos Templários conseguiram sobreviver e nos séculos que se seguiram, vários países europeus e os Estados Unidos sofreram grandes reformas e a organização passou de uma ordem militar a fraterna e filantrópica. Hoje em dia, os Cavaleiros Templários estão na lista de organizações não-governamentais das Nações Unidas.

domingo, 20 de julho de 2014

José Bonifácio – Na Intimidade do Maçom

“É um prazer puro da alma espalhar pelo mundo o fruto de seus estudos e meditações, ainda sem outra remuneração que a consciência de fazer bem.”
José Bonifácio

Todas as vezes que participo de uma reunião no templo, sinto-me extasiado por repetir o R.’.E.’.A.’.A.’. que é realizado há pelo menos 200 anos. A Maçonaria possui uma consistência histórica incomparável entre as instituições modernas. No entanto, não há alegria maior do que pertencer a uma ordem histórica com nomes tão ilustres e coerentes com a filosofia maçônica. Sou Maçom desde 2008 e historiador pela Universidade Federal de Ouro Preto. Nestes anos de dedicação e estudos profanos e maçônicos me cativou imensamente a figura de José Bonifácio. Para mim, não existe exemplo maior de pureza patriótica e humanismo do que o primeiro Grão-Mestre da Maçonaria do País.
Não quero neste pequeno artigo ressaltar seus grandes feitos no processo de independência brasileiro que já possuem grande destaque nos livros de história profanos. Quero, antes de tudo, deixar claro seu espírito maçônico e democrático.
No combate ao obscurantismo, buscou a erudição bacharelando-se em filosofia e direito em Coimbra em 1786. Seu conhecimento não ficou apenas restrito à teoria, partindo em 1790 para uma longa peregrinação científica pelos países da Europa, percorrendo a França, Países Baixos, Alemanha, Suécia, Noruega, Escandinávia, Boêmia, Hungria, Itália, onde privou com vultos de realce nas ciências e nas letras, notadamente Lavoisier, Werner e Jussieu.
De volta ao Brasil, desempenhou um papel honroso nos rumos políticos e na instituição maçônica. Sua empatia com a filosofia da ordem transparecia em toda sua obra:
“Assim tudo é ligado na imensa cadeia do Universo; e os bárbaros que cortam e quebram seus elos pecam contra Deus e a natureza, e são os próprios autores de seus males”. Seu espírito democrático foi extremamente benéfico para a política do País. Ele sabia que a Maçonaria apesar de se propor apolítica não era, de forma alguma, amoral:
“De que serve uma Constituição em papel? A Constituição deve estar arraigada em nossas leis, estabelecimentos e costumes.”
Sua irmandade se mostrou sólida em suas relações com o Irmão Joaquim Gonçalves Ledo, do qual divergia quanto às ideias republicanas. José Bonifácio foi um defensor ferrenho do regime monárquico. Apesar dessas diferenças, eles nunca deixaram que suas opiniões interferissem no progresso da Nação ou da Maçonaria.
Todo seu espírito humanístico transpareceu em seus ensinamentos a um dos maiores, senão o maior governante do país: D. Pedro II. O imperador, apesar de não ter ingressado na Ordem como o pai, agiu como um verdadeiro Obreiro, durante seu governo, incentivou as artes, as ciências, a ecologia (reflorestando toda a Tijuca), o amor, a terra e a erudição.
Até mesmo a morte deste sublime Maçom foi um exemplo. Com 75 anos de idade, José Bonifácio faleceu na cidade de Niterói onde viveu seus últimos dias em um regime de pobreza e simplicidade, dignas de um Maçom que tinha tão altas qualidades de inteligência, energia e amor à Pátria, que libertou e engrandeceu.
É com orgulho que hoje participo da mesma ordem que esse Maçom exemplar cujos pensamentos refletiam os princípios iluministas mais nobres e altivos de todo o século XVIII.
Enviado pelo Ir.’. Igor Guedes de Carvalho
Aprendiz Maçom • Placet: 25309
Loja Vigilantes da Colina Nº 68
Grande Loja de Minas Gerais • MG

As Duas Faces da República: Participação da Maçonaria na Formação da República Brasileira

A Maçonaria é fruto do século das luzes. No entanto, ela não foi apenas uma criação desse século iluminado pela razão. Desde então ela vem moldando a história moderna e contemporânea. Um dos episódios marcantes de sua participação na história do Brasil foi a proclamação do regime republicano em 15 de novembro de 1889.
Assim como na Independência tivemos a participação ativa e direta de maçons. Mais uma vez, se manifesta entre seus participantes um antagonismo claro: de um lado, a via democrática, popular, participativa representada nos maçons Silva Jardim e Aristides Lobo; do outro, a via excludente, autoritária e elitista do Marechal Deodoro da Fonseca e seu sucessor Marechal Floriano Peixoto. Antes de tudo, precisamos compreender o que foi a Proclamação da República. Etimologicamente “República” significa “coisa pública”, envolve a direta participação popular e caracteriza-se por ser um regime defensor dos direitos democráticos. Ironicamente o regime republicano no Brasil nasceu através de um Golpe Militar.
Desencadeada por uma parcela reduzida do Exército, a rebelião antimonárquica contou com participação popular nula. Na condição de republicano autêntico, o maçom Aristides lamentou profundamente decepcionado o fato de o povo que, pelo ideário republicano, deveria ter sido protagonista dos acontecimentos não ter tido qualquer participação na Proclamação da República. Sobre esse fato, escreveu a famosa frase: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava.”
O desapontamento de Aristides Lobo foi compartilhado por outro ferrenho defensor do regime: Silva Jardim. Esse maçom de vida ilibada teve ativa atuação nos movimentos abolicionista e republicano, na defesa da mobilização popular para que tanto a Abolição quanto a República, produzissem resultados efetivos em prol de toda a sociedade brasileira.
Realizou inúmeras viagens pelas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais promovendo comícios em prol da república nascente. Dialogava diretamente com as massas populares. Sua morte não foi menos irônica do que o nascimento do regime republicano. Depois do golpe, Silva Jardim, melancólico e decepcionado com os rumos políticos da nação decide visitar a Itália. Durante seu passeio pela cidade de Pompeia ele morreu nas lavas incandescentes do Vesúvio.
A República idealizada por esses maçons sem sombra de dúvida foi muito mais altiva e justa do que a proclamada pelos militares e também maçons: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.
O governo do segundo Presidente da recém-criada República, o Marechal Floriano Peixoto, foi marcado por deportações de intelectuais, políticos e militares. Até mesmo o poeta Olavo Bilac futuro patrono do serviço militar seria mandado para os confins da Amazônia, por discordar da linha-dura implementada pelo Marechal. Não é à toa que o golpe militar de 1889 deu origem à República do Café com Leite, um dos regimes mais excludentes da história do Brasil.
Por causa da falta de ilustração desses dois militares os primeiros dez anos de República foram de uma permanente perturbação da ordem. Guerras civis, revolta armada no Rio de Janeiro, revolução federalista no Sul, Canudos, na Bahia. Foram anos de grandes e intensos conflitos. No processo de proclamação da República, a Maçonaria atuou como um grande meio de sociabilidade que reunia grandes personalidades políticas. Dentro de seu quadro sempre houve ideias divergentes. Essa dualidade aqui representada entre os maçons militares: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto e os maçons civis Aristides Lobo e Silva Jardim expressa o espírito dialético da ordem.
Ao meu ver, os maçons militares permitiram que os interesses do exército sobrepujassem os ideais liberais defendidos pela Maçonaria. No entanto, suas ações não sintetizaram os ideais da ordem, pois encontramos nos civis Silva Jardim e Aristides Lobo verdadeiros representantes da liberdade e dos bons costumes.
Enviado pelo Ir.’. Igor Guedes de Carvalho • Aprendiz Maçom • Placet: 25309
Loja Vigilantes da Colina Nº 68 • Grande Loja de Minas Gerais • MG

Os Segredos do Templo de Salomão, Primórdios da Maçonaria Lendária

A Maçonaria é uma instituição de mais de 300 anos cuja tradição filosófica se assenta sobre 3000 anos de história. Partindo dessa premissa podemos dividir sua origem em duas versões: a origem lendária (que iremos abordar neste artigo) e a origem histórica. Entendemos como origem histórica o período de 1717, amparado por farta documentação, acerca da fundação da Grande Loja de Londres. É nesse ponto que podemos afirmar categoricamente que a Maçonaria passa a existir como instituição. No entanto, essa irmandade, fruto da Idade Moderna, baseia-se em conceitos, tradições e rituais que antecedem sua existência.
Poderíamos retroceder até 3000 anos de história para recompor essa tradição. Boa parte dela é de natureza essencialmente religiosa. É com base no cristianismo que diversas lendas ou alegorias maçônicas são tecidas. Dentre estas talvez a mais importante seja a história da construção do templo que abrigou a Arca da Aliança cujos principais personagens foram: o construtor Hiram Abiff e o próprio rei Salomão.
O Templo de Salomão em particular ocupa uma posição de destaque dentro da simbologia maçônica, tratando–se de uma das maiores fontes de símbolos, alegorias, lendas e ensinamentos da Maçonaria. Por se tratar de uma construção com mais de 3000 anos de idade, é natural que diversas dúvidas surjam no decorrer da busca das origens maçônicas. Podemos nos perguntar: o Templo de Salomão realmente existiu? Se existiu, quais eram suas dimensões? Hiram Abiff foi um personagem real?
Antes de tudo, é preciso lembrar que não há qualquer registro extrabíblico a respeito da construção do Templo de Salomão. Dessa forma, contamos apenas com a Bíblia como documento. Partimos então de uma nova pergunta: “a Bíblia pode ser interpretada como fonte histórica?”
Para responder a essa pergunta, precisamos voltar a dezembro de 1892 quando George Smith apresentou uma notável descoberta à sociedade de arqueologia bíblica de Londres. Ele entregou a tradução de uma tábua mesopotâmica contendo o relato de um dilúvio. Talvez, o mesmo dilúvio que levou Noé a construir sua arca. Esse fato criou uma febre entre arqueólogos e historiadores que passaram a pesquisar a arqueologia bíblica como uma ciência.
A Bíblia, em particular o antigo testamento, formam um conjunto de histórias contadas através da tradição oral. “Enquanto todas essas histórias circulavam, surgiam os primeiros sistemas de escrita do mundo. Por volta de 3.200 a.C. o povo da mesopotâmia desenvolveu a escrita cuneiforme, na qual símbolos eram prensados em placas de argila ou em entalhos na pedra”.BEITZEL, Barry J. Bíblica – o Atlas da Bíblia, p. 16.
Concomitantemente, o Egito desenvolveu o sistema de hieróglifos. Essas duas nações desempenharam papéis fundamentais na história bíblica e forneceram importantes ícones para a tradição maçônica.
Na época de Davi e Salomão, o sistema de escrita encontrava-se mais desenvolvido. Por volta de 1011 a.C. o jovem rei Davi iniciou um período de expansão literária. Atribui-se a ele muitos dos salmos da Bíblia. Durante seu reinado foram designados escribas para redigir e manter crônicas de seu reinado. Quando Salomão assumiu o trono, além de iniciar a construção do Templo encomendou diversos Salmos para serem celebrados ali.
Apesar das minuciosas descrições registradas na Bíblia, ainda não foi possível, contudo, ter certeza quanto ao primeiro templo de Jerusalém. A arqueologia bíblica ainda não apresentou nenhuma prova válida da existência de tal obra. Explica-se a ausência de vestígios arqueológicos à completa destruição que teria sido realizada por Nabucodonosor, ou à insuficiência de escavações no próprio sítio atribuído à localização do Templo. Esse lugar (sagrado para Judeus, Muçulmanos, Católicos e Protestantes) seria atualmente ocupado pela Mesquita de Omar, ou o Domo da Rocha, onde Abraão, obediente a Deus, quase sacrificou seu próprio filho, Isaac (Gen. 22.1-19) – onde, de modo significativo, a tradição islâmica localiza Maomé subindo ao Céu. por causa desses fatos torna-se quase impossível empreender uma busca arqueológica dos resquícios do templo de Salomão.
Alguns historiadores referem-se ao célebre “muro das lamentações” como tendo sido parte da grande alvenaria de arrimo na esplanada do Templo. Contudo as determinações científicas de datação conferem ao muro idade próxima à década anterior ao nascimento de Cristo. Dessa forma, essa obra seria mais adequada de ser atribuída ao terceiro templo destruído pelos romanos.
Por outro lado, não existem dúvidas quanto à existência do reinado de Salomão. Esse sábio rei foi um exímio administrador. Um de seus primeiros atos como rei foi dividir o reino em distritos administrativos enviando provisões e recursos para a corte. Através desse sistema Salomão pode empreender grandes obras arquitetônicas, entre as quais supostamente estaria incluído o Grande Templo.
Várias melhorias feitas por Salomão foram confirmadas por arqueólogos: “o israelense Yigael Yadin descreveu os imponentes muros e portões construídos durante o período salomônico, incluindo um portão com seis câmaras e um muro com casamatas.” BEITZEL, Barry J. Bíblica – o Atlas da Bíblia, p. 242.
Podemos ainda citar “Gezer localizada aos pés das colinas centrais, perto de Selefá, que ligava a via Maris (rodovia costeira internacional) a Jerusalém e foi parcialmente destruída pelo Faraó egípcio em torno de 950 a.C., foi dada a Salomão como dote por seu casamento com a filha do Faraó”. BEITZEL, Barry J. Bíblica – o Atlas da Bíblia, p. 243.
Além disso, a cidade de Jerusalém, escolhida como capital por Davi, cresceu em tamanho e importância política durante o reinado de Salomão. A eira da Araúna (também identificada como Monte Moriá), comprada por Davi e usada como local sagrado para oferecer sacrifícios tornou-se o local para a construção do Grande Templo.
O “livro de Reis” que integra a Bíblia e narra a trajetória do Rei Salomão e a construção do grande Templo encontra na arqueologia confirmação histórica. Diversos locais, nomes e acontecimentos são cientificamente comprovados. Dessa forma, podemos sim afirmar que o Templo de Salomão realmente existiu. Nada contraria o fato de que toda sua forma gloriosa tenha sim sido arquitetada pelo mestre de obras Hirão-Abi (2 Cr 2.13,14).
“Solomon Before the Ark of the Covenant” Blaise-Nicolas-Le-Sueur – 1747. Musée des Beaux-Arts.
A tradição bíblica ainda orienta importantes aspectos dos templos modernos. Devemos lembrar que segundo o livro de Reis as janelas do Templo de Salomão deviam estar acima do telhado das câmaras, eram de grades, não podendo ser abertas (1 Rs 6.4). Os objetos mais proeminentes no vestíbulo eram dois grandes pilares, Jaquim e Boaz, que Hirão formou por ordem de Salomão (1 Rs 7.15 a 22). Jaquim (‘ele sustenta’) e Boaz (‘nele há força’), apontavam para Deus, em Quem se devia firmar, como sendo a Força e o Apoio por excelência, não só o Santuário, mas também todos aqueles que ali realmente entravam.

Essa simbologia bíblica alimenta defesas como do pesquisador maçônico Manly Hall. Para ele, a construção do Templo de Salomão não tem uma importância direta para a Maçonaria. Segundo ele, sua essência: “não é histórica nem arqueológica, mas uma linguagem simbólica divina perpetuando sob certos símbolos concretos, os sagrados mistérios dos antigos.
Apenas aqueles que veem nela um estudo cósmico, um trabalho de vida, uma inspiração divina de pensar melhor, sentir melhor e viver melhor com a intenção espiritual de iluminação como fim, e com a vida diária do verdadeiro maçom como meio, conseguiram um vislumbre dos verdadeiros mistérios dos ritos ancestrais”. HALL, Manly P. As chaves perdidas da Maçonaria, p. 36.
É certo que, seja ela histórica ou filosófica, a origem lendária atribui à Maçonaria uma consistência incomparável frente as demais instituições modernas.
Enviado pelo Ir.’. Igor Guedes de Carvalho
Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto e Companheiro Maçom da Loja Vigilantes da Colina Nº 68, jurisdicionada à Grande Loja de Minas Gerais.
Bíblia Sagrada (tradução dos originais hebraico e grego feita pelos monges de Maredsous). São Paulo: Editora Ave Maria, 2001.

Segredos da Capela Rosslyn – Os Cavaleiros Templários e a Maçonaria

A história da Maçonaria é distorcida por defesas ideológicas que pretendem impor uma visão preconcebida sobre as provas documentais sem o mínimo rigor histórico
Assim como os obreiros operativos do século XV construíam seus templos e Igrejas sobre o alicerce sólido das pedras e da argamassa o historiador deve construir suas interpretações baseado na sobriedade dos documentos. Provas imagéticas, escritas e materiais que corroborem e permitam a mínima interpretação dos fatos são essenciais.
Falar da ligação entre Templários e Maçonaria, procurando pontes, transferências e transposições é como procurar as soluções para uma equação de duas incógnitas que convergem: o que antecede e leva à formalização da Maçonaria nos princípios do século XVIII e o que sucede e permanece depois da dissolução dos Templários e do ato papal de Clemente II durante o século XIV. São mais de 400 anos que separam o fim dos Cavaleiros Templários e a fundação da Grande Loja de Londres.
Essa influência, no entanto, está presente em nossa ritualística, na organização juvenil patrocinada pela Maçonaria: a Ordem Demolay e em vários outros aspectos de nossa Ordem. De onde ela vem? Ela é uma origem direta ou uma incorporação posterior?
Em primeiro lugar, a Maçonaria moderna só foi “fundada” em 1717. As agremiações que fomentaram a Maçonaria, segundo pesquisas da loja Quatuor Coronati de Londres, são modernas, o registro mais antigo sendo do século XVI. Mas a bula papal dissolvendo os Templários data de 1312. Como foi possível os Templários fundarem a Maçonaria? Nesse instante podemos nos perguntar: Há provas documentais que liguem a Maçonaria aos Cavaleiros Templários? Evidências? Suspeitas? Sim, elas existem. A mais intrigante delas é a Capela Rosslyn em Edimburgo na Escócia.
A capela tornou-se extremamente popular após aparecer no romance O código Da Vinci e no filme de mesmo nome. Apesar de ser uma obra de ficção, o autor Dan Brown utilizou de evidências históricas para confeccioná-la o que apenas aumentou as especulações sobre essa misteriosa capela.
Como vimos 400 anos separam a criação da Grande Loja de Londres e o fim dos Cavaleiros Templários. Exatamente nesse intervalo encontra-se a Capela Rosslyn. Suas fundações remontam ao século XV, em 1446. Em seu interior encontram-se fortes evidências de uma possível ligação entre os Templários e a Maçonaria. Ela foi um projeto de Willian Saint Clair um nobre do século XV e patrono da associação local de pedreiros.
Como sabemos, os cavaleiros templários faziam parte da Ordem do Templo, ordem cristã de cavalaria fundada em 1118 para proteger os peregrinos que viajavam até a Terra Santa. Durante sua atuação em toda Europa e Ásia menor construíram muitas Igrejas, frequentemente em forma circular, similar a Igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém. Um dos exemplos desta arquitetura é a Igreja Templária em Londres. Como podemos ver abaixo um dos símbolos dos “pobres cavaleiros de Cristo” era a representação de dois cavaleiros sobre uma só montaria. Este símbolo ressalta o sentimento de irmandade e humildade da Ordem. Abaixo à esquerda encontra-se a estátua da Igreja Templária em Londres, à direita encontra-se a estátua que ornamenta a capela Rosslyn.
Outros indícios nos levam a crer na corelação entre a capela Rosslyn, a Maçonaria e os templários. A estrutura do prédio da capela é idêntica ao templo judeu de Herodes, que substituiu o famigerado templo de Salomão. Como sabemos, o templo de Salomão é palco de uma lenda central para os maçons: a morte de Hiram Abiff, o construtor assassinado por aprendizes invejosos. Repleta de entalhes e esculturas, a capela Rosslyn possui em uma de suas colunas um mito correspondente à lenda maçônica: o pilar do aprendiz.
No entanto, talvez a mais intrigante escultura seja a que veremos abaixo. Nela, teoricamente, podemos ver um candidato sendo iniciado. Há uma corda em torno do pescoço do candidato e uma venda que lhe oculta os olhos. Quem o segura, logo atrás, aparece com uma cruz templária no peito. As confluências entre esta imagem e o ritual moderno de iniciação da Maçonaria especulativa são, no mínimo, intrigantes.
Esse enigma construído em pedra parece tornar-se ainda mais nebuloso à medida que nos debruçamos sobre ele. Ela sugere através de suas imagens e alegorias que os Templários tiveram relação com sua construção 150 anos após terem sido extintos. Ao mesmo tempo, alimentam a ideia de que a Maçonaria fez representar ali seus símbolos e sua suposta ligação com os Pobres Cavaleiros de Cristo, 250 anos antes de sua fundação formal.
Não podemos afirmar que nenhum templário sobrevivente ao massacre promovido por Felipe, o Belo e o Papa Clemente II tenha mais tarde ingressado nas antigas ordens de construtores da Maçonaria operativa e influenciado sua ritualista. No fundo há uma transição essencial que assenta no fato de que a Maçonaria especulativa tenha herdado as vivências das sociedades anteriores então organizadas na Maçonaria operativa; essa transição foi necessariamente longa, progressiva, não deliberada, diversificada e por sucessivas incorporações de conhecimento, de saber e de práticas.
De acordo com o historiador Burman “Em Portugal, muitos ex-Templários haviam tido permissão para entrar para a nova ordem de Jesus Cristo, que recebeu propriedades deles naquele país, e manter sua posição anterior.” Além disso, o autor afirma que nas demais partes da Europa “muitos continuaram a viver e trabalhar em suas propriedades rurais, exatamente como faziam antes.” (p. 219)
É minha convicção como historiador que as organizações maçônicas que aparecem formalmente no século XVIII se encontram entre o conjunto de instituições que herdaram o conhecimento, as práticas, os rituais e símbolos templários no que se refere à sua ala oculta. Igual sorte e benefício tiveram muitas outras organizações, ora centradas na investigação científica e alquímica, ora no aprofundamento do espiritualismo, do hermetismo ou dos rituais antigos. Porém, dizer que a Capela Rosslyn é uma prova incontestável da ligação entre Cavaleiros Templários e Maçonaria não é possível. Essa dúvida permanecerá como a própria Escócia envolvida em brumas e mistérios.
Enviado pelo Ir.’. Igor Guedes de Carvalho, Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto e Companheiro Maçom da Loja Vigilantes da Colina N0 68, Jurisdicionada à Grande Loja de Minas Gerais.

A Inconfidência Mineira e a Maçonaria, uma tradição inventada

Este artigo faz parte do esforço científico da revista Universo Maçônico em combater o obscurantismo e mitos que, infelizmente, contaminam a história da Maçonaria Brasileira. Vamos tratar aqui de um antigo debate travado em torno da relação entre a Maçonaria a Inconfidência Mineira. Realmente existiram maçons dentro do movimento inconfidente? Joaquim José da Silva Xavier, o famoso Tiradentes era maçom? Estas serão as perguntas basilares deste artigo.
A instituição maçônica foi fundada no Brasil apenas em 1801, doze anos após a conjuração. Desta premissa partimos para a primeira pergunta: a Inconfidência poderia caracterizar-se como um movimento maçônico se ainda não havia lojas no Brasil? De acordo com alguns autores, haveria, sim, centenas de maçons organizados em lojas, mas estas funcionavam clandestinamente, já que a ordem se encontrava proibida pela legislação portuguesa. Este fato explicaria a falta de documentos acerca da atividade maçônica durante o século XVIII.
Dentro da historiografia o relato que inaugurou o mito de que a Inconfidência possuía caráter maçônico partiu de Joaquim Felício dos Santos em sua obra Memórias do distrito diamantino da comarca do Serro Frio de 1924. Neste livro o autor afirma que a “Inconfidência de Minas tinha sido dirigida pela maçonaria, Tiradentes e quase todos os conjurados eram pedreiros-livres”. Surgiu a suspeita de que Tiradentes, que percorria o caminho dos currais rumo à Bahia, acabou, numa de suas viagens, tornando-se maçom.
Tiradentes se tornou ao longo do século XX o personagem mais popular do panteão brasileiro, adquirindo contornos heróicos hipertrofiados e status de mito político. É natural que a Maçonaria aproprie-se dele como elemento fundador. No entanto, não há qualquer prova documental que corrobore esse fato. Desta forma, em virtude da ausência de fontes podemos afirmar que Tiradentes não tem respaldo histórico para ser caracterizado como maçom. As suspeitas sobre tal característica do Alferes podem ser classificadas como invenções infundadas.
Muitos maçons, no entanto propuseram-se a escrever sobre este fato para desvendar sua “verdadeira” história e demonstrar o papel crucial da maçonaria na definição dos acontecimentos de 1789. Em geral, tais narrativas baseiam-se no fato de que a Inconfidência não foi um episódio regional. Tal movimento teria feito parte de um projeto internacional elaborado para tornar livres todos os povos oprimidos. A Inconfidência, a Revolução Francesa e a Independência Americana seriam expressões de um mesmo fenômeno: o do anseio revolucionário por independência, democracia e liberdade que sacudiu a Europa e a América por meio das atividades maçônicas.
De certa forma, estes três eventos podem sim ser correlacionados. O historiador Tarquínio José Barbosa ressalta que muitos estudantes brasileiros em Coimbra (Portugal) e Montpellier (França) iniciaram-se na maçonaria européia e trouxeram seus valores e idéias para o Brasil. Talvez, o registro mais concreto da participação da Maçonaria na Inconfidência Mineira seja exatamente o encontro do estudante carioca e inconfidente José Joaquim Maia com o Maçom norte-americano Thomas Jefferson, que, nesta época, era embaixador dos Estados Unidos na França. O encontro tinha por objetivo obter o apoio dos americanos à revolta que se articulava nas Minas Gerais.
O professor da UFMG Luiz Carlos Villalta ainda ressalta que as fontes intelectuais dos inconfidentes foram bastante ecléticas. Nisso eles se assemelharam aos maçons norte-americanos que fizeram a Independência dos EUA em 1776. Da Antiguidade Clássica, apropriaram-se de Virgílio: “Libertas quae sera tamen”, lema da bandeira imaginada. Beberam também das Luzes, representadas por Montesquieu, mas sobretudo por Raynal. Baseados neste autor os inconfidentes acreditavam que o Brasil poderia ser a colônia mais feliz do mundo se ficasse livre do monopólio comercial e se o fisco não fosse tão pesado.
Os americanos apelaram para o direito consuetudinário inglês e para as teorias políticas e sociais do puritanismo da Nova Inglaterra. Os inconfidentes operaram de modo análogo com as tradições culturais ibero-americanas, buscando socorro nas idéias da Segunda Escolástica que admitiam que era legítimo voltar-se contra um governo tirânico.
Desta forma, inconfidentes mineiros e os revolucionários maçônicos americanos possuíam uma aproximação intelectual. No entanto, enquanto a maçonaria talvez tenha sido o elo central da independência americana: Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e George Washington eram comprovadamente maçons, o mesmo não podemos afirmar de Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga
e Tiradentes.

Assim, a narrativa da Inconfidência como um movimento maçônico propriamente dito pode ser denominada de “‘tradição inventada”, expressão cunhada por Eric Hobsbawm que indica a criação de um passado com o qual se busca estabelecer uma continuidade ininterrupta. Quando muito, através de documentos, podemos afirmar apenas que os inconfidentes procuraram o apoio e respaldo dos norte-americanos (maçons em sua maioria) para a sublevação mineira.
Bibliografia:
HOBSBAWN, Eric. A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
MAXWELL, Kenneth: A Devassa da Devassa – A Inconfidência
Mineira: Brasil e Portugal 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
VILLALTA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais – as minas setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Enviado pelo Ir∴ Igor Guedes de Carvalho, Mestrando em História
Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Companheiro Maçom da Loja Vigilantes da Colina Nº 68, Jurisdicionada à Grande Loja de Minas Gerais.

Arquitetos da Idade Média: A Maçonaria Operativa

A Grande Loja Unida da Inglaterra reconhece, em seu site oficial, que as perguntas “quando”, “como”, “por que” e “onde” a Maçonaria nasceu ainda são objetos de intensa especulação. Entretanto, aponta um consenso de que a Maçonaria Moderna descende direta ou indiretamente da organização dos pedreiros-livres (freemasons), que construíram as grandes catedrais e castelos da Idade Média. Quem eram estes construtores? De quais privilégios eles gozavam? Qual foi sua contribuição para a civilização?
Sabemos que, durante a Idade Média, o conhecimento foi transmitido oralmente, de mestre para aprendiz, ou, em alguns casos, absorvido pela observação prática. Sobre a formação dos construtores neste período, Maurice Vieux escreve que “de companheiro a aprendiz, de mestre a discípulo, eis a escola técnica na qual os mestres de obra e seus sucessores aprendem o seu ofício, os seus processos” (VIEUX, 1977: p. 117).
Vale ressaltar que as Guildas de Ofício, hierarquizadas entre mestres e aprendizes, desempenharam um importante papel na acumulação e divulgação desse conhecimento. Os textos, acessíveis por traduções em língua vernácula, eram divulgados dentro dessas organizações. Um dos melhores exemplos desses textos são os manuscritos de Villard de Honnecourt. Datando do século XIII, este documento constitui um dos primeiros exemplos de compilação de modelos e exemplos artísticos, com comentários e textos, em língua vulgar, do autor. Apesar de nos chegar hoje incompleto, esse documento extraordinário nos fornece informações preciosas acerca dos freemasons.
A enorme variedade de exemplos coletados por esse célebre construtor francês torna evidente a grande mobilidade dos maçons operativos. Villard percorreu localidades dentro dos atuais territórios da França, da Suíça e da Hungria. Apesar de parecer banal nos dias atuais, viajar livremente entre os feudos era um privilégio raro entre os artesãos da Idade Média.
O especialista em História da Arte Ernst H. Gombrich nos dá algumas pistas da importância dos maçons operativos. Segundo este autor: “somente em algumas velhas aldeias do interior podemos ter ainda um vislumbre de sua importância. A igreja era, com frequência, o único edifício de pedra em toda a redondeza; era a única construção de considerável envergadura muitas léguas em redor e seu campanário era um ponto de referência para todos os que chegavam de longe. Aos domingos e durante o culto, todos os habitantes da cidade podiam encontrar-se ali, e o contraste entre o edifício grandioso, com suas pinturas, suas talhas e esculturas, e as casas primitivas e humildes em que essas pessoas passavam a vida devia ter sido esmagador. Não admira que toda a comunidade estivesse interessada na construção dessas igrejas e se orgulhasse de sua decoração. Mesmo do ponto de vista econômico, a construção de um mosteiro, que levava anos, devia transformar uma cidade inteira. A extração de pedra e seu transporte, a ereção de andaimes adequados, o emprego de artífices itinerantes, que traziam histórias de terras longínquas, tudo isso constituía um acontecimento importante nesses dias remotos.” (GOMBRICH, 1999: p.171).

Devido à importância de seus trabalhos, os construtores medievais ganharam o direito de viajar livremente por toda Europa. Graças a esse atributo, ficaram conhecidos como freemasons que, em português, significa pedreiros-livres. Foi através do esquadro e do compasso dos maçons operativos que a arte da Idade Média sofreu uma revolução artística: o aparecimento do estilo gótico. Gosto particularmente da descrição de Gombrich acerca deste estilo: “as paredes das novas igrejas não eram frias nem assustavam. Eram formadas de vitrais polícromos que refulgiam como rubis e esmeraldas. Os pilares, nervuras e rendilhados despendiam cintilações douradas. Tudo que era pesado, terreno ou trivial fora eliminado. Os fiéis que se entregavam à contemplação de tanta beleza podiam sentir que estavam mais próximos de entender os mistérios de um reino afastado do alcance da matéria.” (GOMBRICH, 1999: p. 189).
Servindo aos reis e à Igreja Católica, nossos predecessores transformavam pedras brutas nas mais belas obras que o intelecto humano foi capaz de imaginar.
Autor: Ir∴ Igor Guedes de Carvalho
ARLS Vigilantes da Colina nº 68 – Or∴ de Bom Sucesso GLMMG
Bibliografia:
- GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999.
VIEUX, Maurice. Os Segredos dos Construtores.
São Paulo: Difel, 1977.
- WILLIAMSON, Paul. Escultura Gótica 1140-1300. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.