Durante o século XVIII a Ilha da Madeira foi um importante entreposto do comércio Atlântico,transformando-se em uma escala obrigatória da navegação ultramarina. Por ali, todos os dias, aportavam produtos, pessoas e ideias das mais diversas partes do globo. Não é de se estranhar que foi nesse espaço insular que constituiu-se uma das mais importantes sociedades maçônicas do Império Ultramarino português.
Entretanto, em Abril de 1792 o statos quo da Ilha foi duramente abalado pela ação inquisitorial. Editais do Santo Ofício foram afixados nos prédios públicos incentivando a denúncia de todos aqueles que pertencessem a ordem dos Pedreiros Livres. No total, 133 maçons foram denunciados ao Santo Ofício. Entre eles destacamos o brasileiro João Pereira da Silva, presbítero secular, natural do Rio de Janeiro e morador na Cidade de Funchal, Ilha da Madeira, onde exercia a função de professor Régio de Gramatica Latina.
Iniciado na casa de um comerciante inglês, participou de diversas cerimônias privativas em diversas casas, prestou juramento de segredo na conformidade dos estatutos da Maçonaria aprendendo os sinais do grau de aprendiz. A rápida ascensão da maçonaria na Ilha da Madeira parecia agregar publicamente diversos membros da elite mercantil, agrária, militar e eclesiástica da cidade. O ambiente insular e a distância do Santo Ofício parecia insuflar nos moradores uma certa naturalidade ao lidar com a Ordem dos Pedreiros Livres.
Esta liberdade e fascínio pela Ordem Maçônica alimentava até mesmo enganadores. A nível de ilustração desse ambiente apresentamos a denúncia realizada pelo presbítero referindo-se a um charlatão francês que utilizava-se da Ordem dos Pedreiros Livres para ludibriar pessoas de bem.
Segundo o próprio clérigo apresentou-se "na Ilha da Madeira João José Dorguinhi, Francês de nação e fazendo-se crer muito instruído nos deveres dos Pedreiros Livres (...)." fl. 11 Curioso, o Padre então "rogou para entrar na sua sociedade, e aos primeiros passos percebeu que era um mero impostor que pretendia somente extorquir dinheiros e presentes a custa dos novos sócios, fingindo ter conhecimentos vastíssimos, e os graus mais eminentes desta sociedade..."fl 12
Um embuste que ajudava a atrair curiosos era o boato propagado pelo referido francês de que a ordem dos Pedreiros livres remontava sua "origem dos Cavalleiros da Cruzada de São João de Jerusalém, e para isto se apresentava cingido de faixas largas de diferentes cores, e três cruzes sobrepostas branca, encarnada e verde" fl. 13.Devido a estas ações o francês Dorguinhi foi desamparado e banido da ilha.
Quando perguntado especificamente porque ingressou na maçonaria o padre afirmou:
"a curiosidade e ao ver verificado o que se lhe propunha o moveu a entrar na sociedade esperando encontrar nela virtudes morais, caridade, mutuo socorro e nada que fosse de encontro as Leis da Igreja e do Estado" fl.
Apesar de ter nomeado e entregue um impostor e de todos que participaram de seu embuste o presbítero não apontou nomes dos membros da verdadeira Ordem. Alegou que as reuniões aconteciam em várias casas da ilha e quando perguntado por nomes de seus irmãos afirmou: "que ele não pode conhecer todos: porém que quase todos os cavalheiros, negociantes e homens de letras daquela ilha pertencem a Sociedade.
Nesse aspecto, a solidariedade maçônica parece ter triunfado. Mesmo nas garras da Inquisição muitos irmãos, há dois séculos atrás, utilizaram-se dos mais diversos subterfúgios para proteger a Ordem da perseguição implacável do Santo Ofício português.
Fontes Primárias:
IANTT. Inquisição de Lisboa. Processo 8613.
Bibliografia:
MARQUES, A. H. de Oliveira. A História da Maçonaria em Portugal - das origens ao triunfo. Lisboa: Editorial Presença, 1990.
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